Trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos atinge recorde histórico no Brasil

O trabalho infantil entre crianças de 5 a 9 anos voltou a crescer no Brasil em 2024, atingindo o maior índice desde o início da série histórica em 2016. Segundo dados do IBGE divulgados em 19 de setembro, o número de crianças nessa faixa etária envolvidas em atividades laborais saltou de 100 mil em 2023 para 122 mil em 2024 — um aumento de 22%. Em termos proporcionais, isso representa 7,39% da população dessa idade.
A alta chamou a atenção da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, organização dedicada à promoção do bem-estar na primeira infância. Após uma queda de 24% registrada entre 2022 e 2023, o novo aumento acende um alerta. Em 2016, o percentual era de 5,24%. Agora, o índice é o maior da série histórica.
Para Mariana Luz, CEO da Fundação, o dado é “inaceitável”. Segundo ela, permitir que crianças tão novas estejam trabalhando significa negar direitos básicos como brincar, estudar e crescer em um ambiente seguro. “Estamos reforçando desigualdades raciais e perpetuando um ciclo de exclusão social que começa cedo demais”, disse à Agência Brasil.
Desigualdade racial agrava cenário
A desigualdade racial é um fator agravante nesse contexto. Embora crianças pretas e pardas representem 66% da população entre 5 e 9 anos, elas são 67,8% das que estão em situação de trabalho infantil. Para Mariana Luz, isso revela uma falha estrutural grave no país: “Onde há pobreza, invisibilidade social e racismo, são as crianças negras que mais sofrem.”
Férias escolares e falta de apoio às famílias
Segundo a conselheira tutelar e advogada Patrícia Félix, do Rio de Janeiro, o trabalho infantil tende a aumentar em períodos como as férias escolares. “Muitos pais não têm com quem deixar os filhos enquanto trabalham. Por isso, é fundamental ampliar o acesso a escolas de tempo integral”, afirma.
Ela destaca que muitas mães, especialmente de baixa renda, veem no trabalho infantil uma forma de manter os filhos por perto ou até mesmo ajudar na renda familiar. “Essas mães precisam de um ponto de apoio”, reforça.
Crescimento geral e metas da ONU
Ampliando o olhar para crianças e adolescentes entre 5 e 17 anos, o IBGE revelou que o número de pessoas nessa faixa etária envolvidas com trabalho infantil caiu 21,4% nos últimos oito anos. No entanto, houve uma alta de 2% entre 2023 e 2024, o que demonstra uma estagnação preocupante diante da meta da ONU de erradicar o trabalho infantil até 2025 (meta 8.7 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
Redução nas piores formas de trabalho
Apesar do aumento entre os mais jovens, houve avanço na redução das chamadas Piores Formas de Trabalho Infantil, listadas na chamada Lista TIP — que inclui atividades perigosas e insalubres, como trabalho em serralherias, matadouros e mineração. O número de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos nessas ocupações caiu de 919 mil em 2016 para 560 mil em 2024, uma redução de 39%. Apenas em relação a 2023, a queda foi de 5%.
Essa lista é regulamentada pelo Decreto nº 6.481 e segue a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
Bolsa Família e redução da desigualdade
Outro dado relevante é a queda no percentual de crianças em situação de trabalho infantil que vivem em domicílios beneficiados pelo Bolsa Família. Em 2016, 7,3% das crianças de 5 a 17 anos dessas famílias trabalhavam. Em 2024, o índice caiu para 5,2%, aproximando-se da média nacional (4,3%). A diferença entre os dois grupos foi reduzida de 2,1 para 0,9 ponto percentual.
O que é considerado trabalho infantil
O IBGE considera como trabalho infantil qualquer atividade perigosa ou que prejudique a saúde, o desenvolvimento ou a escolarização da criança, com base em critérios da OIT. No Brasil, a legislação proíbe o trabalho até os 13 anos. Entre 14 e 15 anos, só é permitida a atuação como jovem aprendiz. Já entre 16 e 17 anos, o trabalho deve respeitar restrições, como proibição de atividades noturnas, perigosas ou insalubres.
Casos de trabalho infantil podem ser denunciados pelo Disque 100, serviço gratuito de atendimento a violações de direitos humanos.
Esforços do governo
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informou que os novos dados estão em análise. Segundo o coordenador-geral de Trabalho Infantil da pasta, Roberto Padilha, houve queda de 4,4% nas piores formas de trabalho infantil, mas também aumentos em outras áreas: 1% nas atividades econômicas e 7% em trabalhos para consumo próprio.
O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) também se manifestou, destacando ações preventivas, formação de profissionais da área e campanhas como #InfânciaSemTrabalho. A pasta participa da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti) e do SmartLab de Trabalho Decente, que mapeia as áreas mais afetadas.
Além disso, o governo federal investe em programas de aprendizagem e na obrigatoriedade de cotas para jovens aprendizes, buscando oferecer alternativas de profissionalização segura e compatível com os direitos da infância.
Por Paraíba Master