Um hino esquecido: por que João Pessoa não canta sua própria canção?

A música é um dos elementos fundamentais de uma festa, ainda mais quando ela celebra 440 anos. Considerada a terceira capital mais antiga do Brasil, João Pessoa prepara-se para comemorar, na próxima terça-feira (5), sua história e sua gente. Qual seria, então, a música mais representativa para celebrar esse momento? A primeira resposta seria o hino oficial. Uma breve consulta aos moradores da cidade mais oriental das Américas, no entanto, revela que a maioria deles desconhecem a canção, citando, quase sempre, outras que ocupam o posto de hino sentimental, como “Meu sublime torrão”, do compositor Genival Macedo.
O “Hino oficial do município de João Pessoa” foi instituído pela Lei nº 1.021, de 19 de setembro de 1968, após a realização de um concurso, cuja vencedora foi Eunice Souza Setti Costa, autora tanto da letra quanto da música. Composto por quatro estrofes de oito versos, intercalados por um refrão, que exalta o heroísmo daquele que deu nome à cidade e o grito do “Nego”, como sinal de rebeldia, a canção ainda carece ser maior divulgada e aprendida pelos munícipes.
O maestro da Banda 5 de Agosto, Rogério Borges, relata que costuma executar o hino em eventos públicos para o qual o grupo musical é convidado, mas reconhece que a canção ainda é pouco conhecida. A última oportunidade em que isso aconteceu foi na conclusão do curso de formação para concursados da Guarda Civil Metropolitana.
“No decorrer do tempo, o hino foi pouco divulgado. Eu achei uma coisa bem interessante a guarda colocar os seus alunos para cantarem o ‘Hino oficial de João Pessoa’. Se começar a ser tocado nas escolas, eu acho que ele vai voltar a ser conhecido. E não é um hino feio, tem uma letra muito bonita que fala sobre a cidade”, destacou o músico.
Carlos Anísio, docente do Departamento de Música da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e maestro da Orquestra Sinfônica da mesma universidade, conta que já executou e até fez arranjos para o hino da capital paraibana, e assim como o maestro Borges, atribui o desconhecimento da canção ao fato de ela não ser tocada. “Ninguém fez alguma ação que funcionasse como incentivo, então a tendência dele é cair no esquecimento se não for tocado”, argumenta.
O professor explica que o hino de uma cidade caracteriza-se pela exaltação poética das belezas da terra e da história do lugar. O hino, enquanto gênero musical, possui um alcance mais amplo e costuma ser utilizado para identificar uma organização, um agrupamento de pessoas ou um país, assemelhando-se a cânticos religiosos e até militares, geralmente compostos por estrofes e um refrão. Carlos Anísio recorda que escolas, grupos de escoteiros e clubes esportivos também possuem seus hinos.
“O hino, na realidade, é uma música na qual está contida as características de um grupo, o que ele faz e fez. Você pode fazer o hino de um bloco, por exemplo, que é algo extremamente irreverente e que conta a história e o que é o bloco. É uma música que as pessoas identificam-se, que faz você se sentir pertencente ao grupo”, complementa o maestro.
Gosto popular
Os hinos cívicos vêm, quase sempre, acompanhados de normas que regulam os lugares, tempos e modos para serem executados. No caso do “Hino oficial de João Pessoa”, é a Lei nº 1.975/2022, que institui a obrigatoriedade da execução da música na abertura de solenidades, festas cívicas, culturais e esportivas ocorridas no território do município. A legislação disciplina, ainda, que a canção pode ser executada por orquestra, banda, coral ou mecanicamente, e deve ser acompanhada do hasteamento da bandeira.
Mas o gosto popular pode eleger outras canções, que tendem a gerar maior identificação das pessoas de um determinado e costumam ser mais conhecidas que o que o hino oficial. “No Rio de Janeiro é ‘Cidade Maravilhosa’, que é uma marchinha de Carnaval; em Minas Gerais é ‘Peixe vivo’; e aqui, em João Pessoa, ‘Meu sublime torrão’ foi a música que as pessoas da cidade se identificaram. O hino popular não tem regra, é simplesmente uma canção que, de repente, caiu no gosto do povo”, distingue Carlos Anísio. A canção composta por Genival Macedo, em 1937, foi reconhecida no ano passado como patrimônio cultural imaterial da capital paraibana pela Lei nº 15.167/2024.
Seria possível, então, popularizar hinos oficiais? O maestro Carlos Anísio reconhece que o hino pernambucano, composto no início do século passado e em ritmo de marcha (o mais recorrente para boa parte deles), tornou-se mais conhecido graças a versões de artistas locais em ritmos como maracatu, forró e frevo. Esse pode ser um dos caminhos para promover sua divulgação. A aposta do músico, no entanto, considera outras iniciativas como a execução pública em eventos esportivos e mais incentivos para que às novas gerações aprendam a canção nas escolas.
“Não se pode querer que as pessoas conheçam o hino se não se divulga. Não tem milagre. As leis, muitas vezes, ficam meio vazias. Ensinar as crianças a cantar o hino todo dia na escola pode ser chato, e talvez alguns queiram estar cantando outra coisa, mas para divulgar tem que começar pelas crianças. Eu, por exemplo, conheço muito o ‘Hino da Paraíba’, mas não sei cantar o ‘Hino oficial de João Pessoa’, mesmo que já tenha tido contato socialmente e já tenha tocado”, defende o maestro.
A fim de desenvolver o senso de cidadania e patriotismo, a Lei Municipal nº 14.991/2023, estabelece que os hinos nacionais, da bandeira, do Estado da Paraíba e de João Pessoa sejam executados, em sistema de revezamento, todas as quartas-feiras nas escolas públicas e privadas da cidade, antes de iniciar as atividades escolares. A Secretaria de Educação e Cultura de João Pessoa (Sedec-JP) mantém uma seção de bandas escolares, que realiza ensaios regulares para apresentações de atos cívicos.
“Hino oficial do município de João Pessoa”
(Letra e música de Eunice de Souza Setti Costa)
No nordeste do Brasil te encontramos,
onde vemos o encanto de um verde mar.
És a terra gloriosa que amamos
e o teu nome exaltamos a cantar.
de um grande presidente de estado,
tu ressurgiste, ó, cidade vitoriosa!
Tua bandeira simboliza o Heroísmo
de um exemplo imortal
que em teu nome ficou
E no grito do Nego,
defendeu o teu povo rebelde
e te glorificou. (Refrão)
No passado, outros nomes recebeste,
consagramos o teu solo, sempre a exaltar
a Bravura e a Nobreza não perdeste
João Pessoa, tu és hoje, a vibrar.
Teus combates sempre foram triunfantes
e o heroísmo a história nos declara
e evocando teus primeiros habitantes,
Tu serás sempre a cidade tabajara.
Tens palmeiras no teu parque mais formoso,
A Lagoa circulando sempre a inspirar,
O poeta decantando orgulhoso,
vem fazer tua beleza proclamar.
Tão formosas as acácias que se espargem
em ornamento pelas tuas avenidas.
São tantas flores escondendo a folhagem,
deixando enfim, tuas árvores floridas.
Tambaú trazendo a brisa mansamente,
num afago que nos prende sob o céu anil
e o soberbo Cabo Branco evidente
na paisagem litorânea do Brasil.
Nos teus mares as jangadas velejando,
No horizonte vem o sol resplandecente.
Quanta grandeza que encerras inspirando
no teu valor consagrado eternamente!
Por Paraíba com Informações TV Câmara de João Pessoa